O tempo que sinto nas pontas dos dedos, no veludo das folhas da minha plantinha que precisa de água e de sol. Cadê o sol? Na testura do alho-poró que ficou um pouco mais do que deveria na geladeira, nas folhas, de repente, ásperas e secas. Na cenoura murcha, na beterraba tristinha e no pimentão encolhido no canto da gaveta de vegetais, cansado demais para ser exuberante. O tempo nos folhosos e nos morangos, tão sensíveis ao passar inclemente dos dias. O tempo que literalmente brota da batata doce quase esquecida e o tempo que fica no gosto, quando tentamos salvá-la. O gosto do tempo no limão meio murcho naquele suco geladinho. O tempo que amolece. Que apodrece. E então entristece porque, tantas vezes, significa perda.
Mas aí tem o tempo da massa de pão descansar. Dos processos químicos, quase alquímicos, nos presentearem com a surpresa do crescimento. O tempo de apurar os sabores, de incrementar adequadamente as misturas. O tempo do molho de tomate. O tempo da marinada, da comunhão dos temperos. Derreter, assar, incorporar. Repetir. O tempo da caponata perfeita, que precisa de equilíbrio e sobretudo de paciência. O tempo das conservas. Do refogado no ponto. O tempo, às vezes utópico, da cebola caramelizada e do alho torradinho, daquele jeito. O tempo de liberar os cheiros da pimenta e do louro pela cozinha a fora. O tempo no pilão. O tempo de esquentar o forno para receber o bolo. O tempo até a panela pegar pressão, mais ciência do que magia, mas ainda assim tempo. O tempo do demolho dos grãos. O tempo da espera. Dos ingredientes se transformarem em caldo de legumes para o risoto. Das folhas secarem para o chazinho. Das cascas secarem para o vinagre. O meu tempo e o tempo das coisas.
Este texto mesmo precisou fermentar por uns bons meses aqui dentro. Meses atribulados e silenciosos nesta news letter (vou tentar ser melhor), ainda bem que nunca prometi constância, eu acho. Mas, o tempo. A percepção do tempo, tendo eu um cérebro neurodivergente, sempre representou um desafio. Mesmo antes de que eu percebesse e que pudesse nomear dessa forma. Principalmente antes disso. Então, eu falava constantemente na terapia do meu tempo e do tempo das coisas (um beijo para minha psicóloga maravilhosa). Falava, justamente, da angústia de viver entre esses dois tempos que, raramente, coincidem.
É o salsão que, no mesmo momento em que quero que já seja um risoto, quero que não, para que eu possa transformá-lo em um agora mesmo. A minha mente voa longe demais para que eu alcance, porque as minhas mãos tem bem mais pressa do que habilidade. Pressa em cortar, em picar, em transformar. Pressa em fazer surgir o novo. Provar. Sentir. Mas o tempo das coisas nem sempre é imediato. Muito menos o meu. O meu tempo que pode ser rápido como as folhas verdes murchando na geladeira e tão lento quanto uma refeição que demora 3 horas para ser feita. Tão lento quanto refeição nenhuma por dias.
Não tenho escrito aqui porque, entre outras coisas, não tenho conseguido cozinhar muito nos últimos tempos. Dói que o tempo das coisas passe normalmente, enquanto me alimento como dá, com comidas distantes demais das delícias que povoam a minha mente criativa, mas não funcional. A distância dos tempos, aqui no meu peito. O meu tempo e o tempo das coisas.
Já tava com saudades!!!!